Voando para a eternidade

Inspirado no livro:

Livro inspirador

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Quando se deu conta, se viu flutuando. O dia estava ensolarado e conseguia, olhando para baixo, ver o telhado novo de sua casa.

De onde se encontrava olhando em volta uma tristeza invadiu seus pensamentos, ainda confusos. Aquela terra toda arborizada que tinha escolhido para morar agora não passava de um ajuntamento de casas e inacreditáveis espigões.

Decidiu se concentrar na sua casa, ela tinha 64 anos e aí uma explicação se torna necessária. As casas como as plantas e os animais não contam a idade da mesma forma como o seres humanos(humanos?), a cada ano dos humanos elas contam dois no seus corpos.

Assim,  ela, tinha quase a idade que se aproximava da dele, os setenta.

De cima ainda parecia uma sessentona bonita, ultimamente havia sofrido umas plásticas e parecia disposta a resistir.

Viu suas plantas com os vasos de pet que havia aprendido a fazer e a longa lista de pimenteiras, gosto de sua esposa, algumas já com frutos e outras bem floridas, o que dizia que o local onde estavam lhes agradavam.

Ele tinha a mania de acordar e sempre que possível conversar com elas. Esquecido que era quase nunca lembrava seus nomes, mas dava bom dia, perguntava se precisavam de algo.

Dali do alto viu que conseguia enxergar mais longe.

Os filhos mais velhos trabalhando e em casa o mais novo e sua esposa. Uma nuvem de tristeza passou pelo seu corpo.

Corpo? Como assim? Ele agora sentia suas emoções com o corpo e não mais só com a mente.

Como dizia seu corpo sentiu uma tristeza. Ela varrendo a casa, fazendo almoço, compras e ninguém para ajudar. Gostaria de ter-lhe dado uma pessoa que fizesse o mais pesado do trabalho doméstico mas, e sempre há um mas, a aposentadoria que recebia não permitia esse luxo, e ele mesmo se sentia culpado em não ter ajudado quando podia.

Ela sempre tinha sido a base de sua família e merecia, agora mais idosa, um conforto maior.

Aliás ele agora via seu corpo de cor cinza, flutuando no céu ensolarado. Eram as culpas que por todos os anos vividos acumulou, por si mesmo, com ou sem razão. Se não saiam para viajar sentia que era sua a culpa, se não ajudava em casa era sua culpa, se um filho ficava doente era sua culpa, se não tinha continuado a trabalhar sentia que era tudo sua culpa.

Disposto a ver mais tentou e conseguiu descer ao solo. Dentro de casa tudo como sempre. O mais novo jogando no computador e sua esposa cuidando da casa.

Olhou no quarto e se viu deitado, dormindo como sempre fazia já que a vida não lhe parecia mais interessante e os sonhos, até os pesadelos, eram menos pesados que a vivência diária o fazia sentir quando estava acordado.

Ficou feliz em estar sonhando.

As cachorrinhas notaram sua presença e começaram a latir sem motivo aparente, fugiam dele como se fosse um fantasma. Afinal em sonhos tudo acontece, pensou.

Num piscar de olhos estava em Coritiba e aí viu que podia voar para onde quisesse, voltou à Amazônia, ao Pantanal aos sertão e as praias que ele e sua esposa viveram e aproveitaram muito.

Se viu novinho com cabelos compridos e barba grande, cheio de colares, no escritório da Amazônia. Até se achou bonitinho.

Voltou ao sertão e sofreu com as acusações infundadas que lhe foram feitas e a demissão repentina, que posteriormente foi adiada para que passasse o serviço ao novo chefe que viria substituí-lo.

Ele era assim, como diz o filósofo Martinho : “Deixa a vida me levar”.

Ultimamente a vida virado um vazio e o antigo rio caudaloso das emoções havia parado, estagnado na beira de um mangue.solidao

Sentia aquele cheiro das coisas apodrecendo aos seu redor, aquela montanha que insistia em ser carregada por seus ombros e a falta de vontade de dar um impulso de volta ao rio.

Pensando no rio, e para levantar a moral, lembrou do irmão que encontrou em uma dessa curvas que os rios fazem e de mais dois ou três amigos verdadeiros que se juntaram, como afluentes, em sua vida.

Voltou a flutuar em cima de sua casa e por alguma razão sua vista ficou nublada mas com o dia ensolarado como podia estar perdendo a visão ?

Reparou que estava pensando em vizinhos incômodos que não respeitavam as mínimas regras e até leis de convivência, da apresentadora de televisão que o havia abandonado quando pensava estar construindo uma amizade sólida. Sorriu ao ver tanta inocência de sua parte.

Estava lembrando dos tempos ruins quando prenderam sua mudança, na época de Natal e foi acusado de contrabandista, na volta da Amazônia. Tinha toda documentação e meses depois recebeu sua mudança com os caixotes quebrados e todas as caixas rasgada.

Resolveu se purificar dessas lembranças que o deixavam quase cego de sua casinha querida.

Voltou para dentro dela e notou que ainda dormia. Achou um pouco estranho essa visão tão clara de si, embora ninguém notasse que estava dormindo um pouco demais e a mesma posição.

Subiu pois não queria imaginar o que estava imaginando mas, era verdade, e lá em cima, de onde via a terra em toda sua circunferência, encontrou, como se lembrava, Sua Mãe, Seu Tio Newton e Didi, sorrindo para ele.

Ao olhar para o sol uma luz intensa invadiu aquilo que pensava ser seu corpo, passou por turbulências e… não se lembra de mais nada para contar.

Em casa todos continuavam fazendo o que precisavam, seu filho lavava as louças e sua esposa iniciava o almoço.

No quarto , no escuro, ele continuava dormindo e ninguém percebeu.

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