Ninguém sabe dizer de onde ele tinha vindo. Apareceu em Porto Trombetas, saído da mata, espingarda no ombro, terçado(espécie de facão) na cintura, boné, como um caboclo típico da região.
Eu mesmo não sei o nome e como já contei em : Cuxiú ! Sou eu mesmo , todos tinham apelido e o dele ficou sendo “Seu Piauí”
Naquela época a empreiteira já começava a enviar seus peões(trabalhadores, no jargão das obras) e, por medida de segurança a Administração Central, no Rio de Janeiro, mandou que eu contratasse um segurança o qual deveria ficar na saleta do meu secretário, já que havia quantias em dinheiro no cofre da minha sala.
São poucos os que, em minha vida profissional, conheci e que me foram tão leais como o Seu Piauí, que entra nessa minha lista com louvor máximo porém, não é sobre isso a história de hoje.
Fichado(registrado, no jargão das obras) ele foi equipado e se apresentou à mim, com o capacete debaixo do braço, botinas novas nos pés, pelo meu secretário. “- Dr. Araken esse é o Seu Piauí, que vai ficar de guarda aqui no seu escritório.”
Mandei que entrasse e se sentasse para tirarmos um dedo de prosa sobre as atividades dele.
Nesse início de apresentação mútua foi que fiquei sabendo ser ele, até chegar na obra, caçador de onças, que tinha família em Santarém e que caminhando pela mata foi parar em Porto Trombetas onde resolveu assentar, com um ganho fixo, folgas e alguns benefícios.
A Estória :
Me contou que, certa vez achou uma clareira com pegadas de onça e resolveu montar uma armadilha, tudo feito com troncos e cipó.
Fazia uma espécie de gaiola sem fundo com um tronco vergado por cima para que quando caísse ficasse sob pressão, parecido com a armadilha de passarinho:
Num dos lados colocava um uma trava levantando a gaiola e amarrava com um cipó para puxar com a onça dentro.
Para atrair o bicho usava como isca os restos de caça, que lhe serviam de alimento esfregando pelo chão para fazer uma trilha e colocava bem no fundo da armadilha.
Subia em uma árvore e de lá ficava na campana(espreita), com a espingarda no colo e o cipó na mão.
As vezes se passavam um, dois, dias até conseguir alguma onça ou jaguatirica.
Passado esse tempo e sem nada pegar, desmontava a armadilha e seguia em frente procurando outras trilhas de pegadas.
Dessa vez ele estava determinado, já que as pegadas eram bem recentes e enquanto terminava de preparar a armadilha colocando a trava, a onça apareceu na borda da clareira.
Infelizmente, para ele, ela havia deixado sua espingarda encostada na árvore escolhida para fazer a campana e a onça apareceu justamente entre ele e a arma. O bicho veio urrando e rodeando a armadilha e na dúvida se dava para correr, pegar a espingarda e atirar resolveu ficar onde estava.
Rapidamente ele entrou na própria armadilha, tirou a trava e ficou quieto dentro da gaiola.
O caçador, agora, era a caça.
Continuando relatou que já entardecia quando o bicho apareceu e passaram, ele na gaiola e a onça rodeando a armadilha, a noite toda e parte da manhã.
Mais adiante no dia, já ambos cansados a onça deve ter achado que daria muito trabalho pegar aquela caça e com fome, ainda, saiu para procurar algo mais à mão ou à pata, como quiserem.
Conhecedor das manhas do bicho, Seu Pará, contou que ainda ficou um bom tempo dentro da gaiola e com o fedor da isca mas, não desistiu.
Passado o aperto continuou o acabamento da armadilha, caçou um macaco para matar a fome e finalmente pode escolher um galho confortável para esperar que aquela ou outra onça passasse por ali.
Levou um bom tempo, na campana, e só no anoitecer do outro dia escutou os movimentos na mata.
Era uma onça, não sabia dizer se era a mesma pois esteve muito apavorado dentro da gaiola para gravar as manchas da bicha, anteriormente.
Tenso aguardou até que ela entrasse para comer a isca e, ZÁS, puxou o cipó fazendo a gaiola cair e prender a bicha dentro.
Mesmo com a pressão da árvore que ficava sobre ela, ele não saiu do galho até o dia seguinte enquanto a bicha tentava, por todos os meios, sair da armadilha.
Com o amanhecer chegando e a onça, agora cansada, me contou Seu Pará, desceu com muito cuidado e iniciou a parte mais perigosa da caçada que consistia em subir na gaiola e de evitando as garras dar um tiro certeiro entre os olhos da bicha, o que preservava a pele.
Após aguardar que o bicho não se mexesse começou o desmonte da armadilha, retirar o corpo do animal, tirar a pele cuidadosamente e depois, em uma espécie de armação colocar para secar, aguarda a secagem e seguir em busca de mais uma .
Em geral, quando são vários caçadores eles deixam o corpo apodrecendo ou sendo comido por outros carnívoros. No caso dele aproveitava tudo pois não sabia quando ia encontrar carne novamente.
Quando toquei no assunto da legalidade do que fazia, ele me afirmou que sabia ser ilegal mas tinha que mandar dinheiro para a família e, que, com o novo emprego pretendia fazer uma roça em sua casa em Santarém e mandar o salário para a família.
Por longo tempo foi essa a vida do Seu Pará, solitário caçador de onças.
É ILEGAL CAÇAR E VENDER ANIMAIS SILVESTRES