Férias – Viagem de trem Niterói/Vitória

Em 1966 completei meu primeiro ano na Cia. Vale do Rio Doce e, ansiosamente, resolvi marcar meu período assim que pude. Acho que foi em abril ou maio.

Av. Graça Aranha, 26 - Rio de Janeiro

Av. Graça Aranha, 26 – Rio de Janeiro

Marcadas as férias, o que fazer com elas?

Aqui abro um parênteses. Naquela época, apesar de ganhar um bom salário gastava tudo em roupas ou discos ou festas, assim para economizar mais, levava uma marmita para o almoço. O hábito era almoçar no arquivo dos livros de contabilidade, local discreto e fechado. Lá almoçávamos eu, o arquivista e Ivete, a secretária do Superintendente.

Ivete era um mulherão que havia vindo de Vitória para o Rio, por promoção, e era muito franca não poupando seu nariz para o alto. Aliás, um mulherão daquele, podia andar com o nariz para o alto, já que tudo o mais estava “em cima”.

Entre nosso grupinho ela não poupava palavras nem palavrões. o que me intimidava e dava a ela um certo ar de mãezona comigo.

Obviamente, como todos os documentos passavam pela Secretaria, ela sabia que eu ia tirar férias e me sugeriu ir para Vitória passar uns dias. Me informou que como tínhamos a estrada de ferro Vitória-Minas éramos, como assim dizer, “ferroviários” e tínhamos direito a passagens de trem grátis( ou com um bom desconto, não me lembro).

Argumentei que os meus recursos, mesmo com custo baixos da passagem, não dariam para ficar dias em Vitória. Ela nem esperou eu terminar meu argumento :

-“Você vai para Vitória, minha mãe mora lá, tenho uma irmã da sua idade e vou falar com elas para que você faça as refeições lá em casa. Agora tem uma coisa: minha irmã é virgem e vê lá o que você vai arrumar senão te cubro de porrada quando voltar!” –

Ivete era assim.

Bem, sem poder dizer não, pela imposição que ela conseguia transmitir e por ser a Secretária do Superintendente, resolvi passar uma semana em Vitória.

Ivete resolveu tudo, ligou para o RH requisitando um memorando para a minha passagem, ligou para a mãe dela e tudo confirmado, levado por um arrastão, ia começar minhas primeiras férias indo, de trem, para Vitória.

A retirada da passagem era na Leopoldina, no Rio de Janeiro, de onde saía uma composição e outra saía de Niterói, se encontrando na Estação Visconde de Itaboraí, o que tornava mais prática minha viagem.

Só não me avisaram como me comportar já que o trem que saía de Niterói atendia várias estações no que seria a Grande Niterói e se encontrava com a composição que saía do Rio com destino à Vitória mas, e sempre tem um mas, parando em quase todas as cidades até Cachoeiro de Itapemirim/ES( onde eu descobriria que haveria mais uma baldeação).

No dia marcado, o tem era noturno, me dirigi à Estação General Dutra, ao lado do porto de Niterói, com minha malinha(graças a Deus pequena) nas mãos para desfrutar do carro Pullman, com cadeiras estofadas e reclináveis. Encontrada minha poltrona, e acomodado, reparei que o trem estava lotado o que era razoável já que ia parando pela Grande Niterói.

Estação General Dutra, Niterói/RJ

Estação General Dutra, Niterói/RJ

Tudo corria bem até chegarmos a estação de Visconde de Itaboraí. O trem parou, a máquina desengatou, e voltou para Niterói, nos deixando no escuro . Todos pareciam saber o que ia acontecer, MENOS EU !Estação de trem de Visconde de Itaboraí

Vi que a maioria estava com seus pertences nas mãos e fiz o mesmo, o que foi a salvação. Quem anda, hoje em ônibus ou trens lotados sabe que é um salve-se quem quiser para pegar um lugar sentado e, o idiota, aqui, com meu bilhete na mão esperando que houvesse uma poltrona com meu número reservada e me esperando vi, espantado, a correria. O trem ainda não havia nem parado, e as pessoas entrando pelas portas e janelas para pegar um lugar sentado. Obviamente entre eles não estava eu e, pasmo, quase nem entrei antes que o trem partisse.

Passei boa parte da madrugada em pé e apertado no carro que consegui entrar e, com o sol se levantando consegui um lugar para sentar, entre dois vagões. Entre alguma estação , que não tenho a menor ideia do nome, até a estação de Campos consegui, finalmente, minha poltrona estofada e reclinável. Foi por pouco tempo pois logo desembarcamos na estação de Campos em uma parada para o café da manhã.

Obs.: “A foto mostra os carros de aço carbono da RFFSA – SR8 Superintendência Regional Campos, anteriormente, RFFSA – 7ª Divisão Leopoldina, oriunda da antiga Estrada de Ferro Leopoldina e mostra, em primeiro plano, dois fantásticos carros de madeira para passageiros também oriundos da Leopoldina, na cidade de Campos – RJ, provavelmente em 1976. Um fato interessante é que os carros de aço carbono desta foto, que formavam o famoso Trem Cacique, já estavam nas cores originais da RFFSA. Para quem não se lembra, eles eram num tom vermelho-abóbora com a faixa da janela em tom creme, mas isso, na primeira fase da Divisão Leopoldina, como mostra uma foto propaganda da Santa Matilde. Acredito que esta seja a única foto dos carros de origem RFFSA – Leopoldina que os mostra nesta cor. (Fonte : Hélio dos Santos Pessoa Júnior – )”

Estação de Trem de Campos/RJ (Foto Hugo Caramuru)

Confesso que foi a primeira e última vez que tomei café morno adoçado com caldo de cana. O que foi ótimo já, que para minha surpresa, os carros pullman foram desengatados e eu feito um doido correndo atrás deles para pegar minha maletinha.

Voltei e me sentei para apreciar, em um banco estofado e duro, toda a beleza do interior do Estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Ao longo das estações fui comprando pães e frutas para suprir o almoço. Nesse ponto não me recordo se isso é uma estória ou se tinha um carro restaurante. O que importa é que após umas quinze horas entre em pé e sentado chegamos a Estação de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo.

Estação de trem de Cachoeiro de Itapemirim/ES

Estação de trem de Cachoeiro de Itapemirim/ES

Estava eu me espreguiçando na plataforma quando um funcionário da estação me perguntou para onde eu ia, ao que respondi:

-“Vitória!” – mostrando o bilhete

-“Então o Sr. tem que pegar suas “coisas” e passar para o trem que vai para Vitória que está ali” – disse ele apontando para um vagão mais velho do que o que eu tinha vindo até ali.

Uma olhada rápida e vi que os bancos eram de madeira, voltei-me para o funcionário e ingenuamente perguntei :

– “Quantas horas até Vitória, por favor?”

– Normalmente umas oito”- respondeu e se virou se retirando.

Eu já estava todo torto com o trajeto até ali e mais oito horas em banco de madeira? Decididamente, NÃO !

Peguei minha maletinha, um táxi na porta da estação de trem e disse confiante :

– “Para a rodoviária!”

Em lá chegando comprei uma passagem de ônibus, que levaria umas duas horas e meia em poltrona reclinável até o meu destino final.

Desci na Rodoviária de Vitória, que nessa época ficava no Centro da cidade numa praça, tomei um táxi e me dirigi para o hotel, que sem saber ainda, seria usado por muitas vezes nos fechamentos contábeis do futuro.

Hotel Prata - Centro - Vitória/ES

Hotel Prata – Centro – Vitória/ES

Minha maior preocupação era com a mãe da Ivete que poderia se deslocar para a Estação de trem para me receber e eu já havia chegado. Assim, liguei para ela e avisei da minha jornada e como já era de tardinha iria comer um lanche e dormir tudo o que não tinha conseguido durante a viagem.

Marcamos um almoço para o dia seguinte e eu iria provar da famosa Moqueca Capixaba, especialidade da Senhora Mãe da minha colega.

Nesse ponto é bom esclarecer que eu tenho HORROR a dois temperos : coentro e pimenta.

No dia seguinte me arrumei para conhecer a irmã da Ivete e a Senhora Mãe dela, me encaminhando para a casa das duas. A primeira surpresa foi ótima pois a irmã fazia jus a beleza e ao tipo da outra, embora de temperamento mais ameno.

Apresentações feitas ficamos nos degraus que davam acesso à casa conversando e, já dali, eu previ a minha desgraça: o cheiro do coentro impregnava todo o ar respirável. Pelo menos por isso seria razoável passar.

Chamados para o almoço, com aquele cheiro de coentro tampando minha visão da bela moqueca à mesa, fui servido e, graças a Deus havia farinha.

Na primeira garfada o coentro ficou para trás com a ardência da pimenta queimando todo o interior da minha boca. Engoli rapidamente e pedi que me servissem de farinha e alegando ser um hábito herdado de meu pai, baiano, entupi o prato. Eram algumas garfadas e um gole de água, que se repetiu até o fim do primeiro prato. Sim primeiro, pois seria muita falta de educação não aceitar a repetição que a Senhora já colocava para mim.

O que posso dizer é que entre um agradável namorico com a irmã de Ivete, passeando por Vitória e, os almoços infernais com coentro e pimenta, tenho saudades daquela viagem.