Futebol na areia, minha paixão

Futebol na areia - Praia de Icaraí

Futebol na areia – Praia de Icaraí (foto recente de um torneio)

Eu morava na Otávio Carneiro, quase na esquina da Praia de Icaraí e toda a minha juventude passei ali, no 17, em frente ao edifícioTagus I.

Naquela época a praia não tinha essa muralha de prédios de hoje e acompanhei a deterioração com a derrubada das casas e o crescimento das novas casas empilhadas.

Além de aproveitar a praia em si, eu adorava nossas peladas de futebol, geralmente nos finais de tarde. Nos sábados tínhamos pela manhã e religiosamente a da tarde, que era a mais concorrida.

Muito longe do atual “beach soccer” eram onze contra onze e com todas as regras do futebol de campo. Haviam até torneios de times organizados.

O interessante era que juntavam pessoas de todas as classes sociais e culturais, sem nenhum preconceito.

Para exemplificar essa mistura, vou contar uma estória :

– Havia um colega chamado Haroldo (apelido “motorzinho”) que jogava no meio de campo. Já um pouco mais velho ele era detetive da polícia.

– Também tinha um moleque, mais ou menos da minha idade, que era assaltante e jogava na ponte esquerda.

– Pois bem Haroldo conhecia ele e no primeiro encontro foi logo falando:

-“Aqui estamos jogando futebol, fora daqui eu te prendo!” e assim foi, algumas vezes jogando do mesmo lado. Não havia nenhuma rusga. Final do jogo o moleque ia para seu canto e Haroldo pegava sua bicicleta e ia para casa.

Minha vantagem era morar bem perto da praia e guardávamos as redes e a bola na minha casa. Assim eu era sempre um dos primeiros a chegar e garantir minha inclusão na pelada.

Local do campo - entre Otavio Carneiro e a Belisário Augusto

Local do campo(foto recente) – entre Otávio Carneiro e a Belisário Augusto

A escolha era assim :

– a medida que os jogadores iam chegando anotavam, com um pedacinho de carvão ou uma pedrinha, pegos na areia, o nome em uma lista na beirada da calçada que era de concreto e ficava um pouco acima da areia. Quando já haviam nomes suficientes, e nos sábados era certo ter mais de 22 pretendentes, dois dos melhores jogadores escolhiam mais dez para seu time. Só eram escolhidos os 22 que haviam posto seus nomes primeiro na lista. Os demais ficavam na calçada ou atrás dos gols aguardando que alguém saísse para entrar, e em geral, na mesma ordem da lista.

Local onde escrevíamos nossos nomes para escolha posterior dos 22

Local(atual) onde escrevíamos nossos nomes para escolha posterior dos 22

Eu nunca fui grande coisa como jogador, mas sempre estava entre os 22 e, assim, tinha que ser escolhido. Tinha uma vantagem porém, era canhoto, o que me dava possibilidades maiores de não ir para o gol. Então, era escolhido para jogar do gol à ponta-esquerda .

Outra coisa interessante eram os apelidos. Além do motorzinho(Haroldo), moleque saci, Milton boçal(pela força do seu chute), seu irmão peré( que era uma redução de seu apelido perereca), buda, caco velho, banana, badger(nome de um político da época) além das reduções de nomes como beto, ou diminutivos como pedrinho.

Houve uma época, quando o Pelé foi jogar nos Estados Unidos, que muitos foram tentar essa aventura e fazer sua independência financeira. Um desses era conhecido nosso e, tendo voltado dos EUA recentemente, passou a frequentar nosso campo.

Certo dia fomos escolhidos em times opostos, eu como lateral esquerdo e ele(não me lembro o nome) no meio de campo.

O jogo corria normalmente quando uma bola ficou solta na minha frente.

Iniciei uma corrida para dominá-la e vi que ele vinha em meu sentido para disputar aquela bola sem dono. Durante a corrida eu pensava :

-“Ele já foi profissional e vai me quebrar” … “ele vai entrar para me quebrar”, até que chegamos juntos na bola.

Surpreendentemente ele veio com o pé esticado, para dar um biquinho na bola. Eu, com aqueles pensamentos, coloquei a sola do pé. Minha sola pegou a perna dele do tornozelo até quase o joelho, fazendo um belo inchaço que pensei, até, que tinha quebrado. Pelo que me lembro, agora, acho que a ponta do pé dele alcançou a bola instantes antes do meu chegar e assim peguei o alto da bola e a perna dele.

Foi marcada a falta, eu fui substituído e cada um foi para o seu lado.

No sábado seguinte, eu jogando, o vi com a perna engessada olhando nossa pelada, de cima da calçada. Pensei :-“que merda que eu fiz!”- pensando na carreira dele.

O tempo passou e, uma bela tarde de sábado, lá estávamos eu e ele na lista dos nomes e o dele estava entre os 22 iniciais, o que queria dizer que poderíamos ser adversários novamente. Tirado o par ou ímpar, a cada nome escolhido eu pensava :-“tomara que fique no mesmo lado dele” … “no mesmo lado”.

Terminada a escolha eu ia para lateral esquerda e ele no meio de campo. DO TIME OPOSTO !!!

Passei o jogo todo evitando as disputas de bola com ele, já imaginando uma retaliação. Quero dizer que até aquele dia nunca tinha quebrado um osso sequer, e continuei assim depois daquela partida.

Ele não me quebrou, mas, em um determinado momento em que avançava com a bola senti um pé na minha batata da perna. Caí e foi marcada a falta e ao levantar vi meu sangue na areia. Ele tinha me marcado com as cinco unhas do pé em arranhões bem grandes, sangrando saí do jogo e fui para o mar dar uma lavada no machucado, que era bem feio.

Não nos vimos mais, até porque o arranhado das unhas inflamaram, deram febre e íngua, necessitando tomar antibióticos e anti-inflamatórios durante um mês.

Pensando bem, acho que foi justo, um gesso por uma inflamação.