Pequenas histórias e estórias – Porto Trombetas

Chega de Tucunaré!

Tucunaré

Tucunaré

Pouco antes da assinatura do contrato de construção, nós recebemos a pessoa que seria o Gerente da Obra. Canadense de nascimento ele tinha muita experiência visto que havia chefiado outros projetos para a Alcan(um dos sócios na mineração) em vários países na Ásia.

Mr. Harry Hamilton já era um senhor mas, com muito vigor. Tinha várias manias sendo uma delas o horário. No Trombetas o horário era de sete da manhã até meio dia e de uma da tarde até as quatro da tarde.

Não adiantava, fora desse horário ele não aceitava nada relativo ao serviço. Podia ser um cheque urgente para assinatura, que ele dizia:

-“Amanhã eu assino.” – e podia estar na porta da sala dele, no dia seguinte, porque rigorosamente as sete da manhã ele estava abrindo a porta.

Certa vez o filho dele foi visitá-lo e levou de presente uma vara de pescar, toda incrementada. Se fosse nos dias de hoje certamente teria sonar e computador para detectar os peixes, tal o avanço daquela que ele recebeu.

Foi nossa perdição.

Decidido a experimentar o presente do filho ele passou, todo santo dia ao final do expediente, a sair para pescar : TUCUNARÉ!

E a tal da vara incrementada era boa. No finzinho da tarde lá chegava ele com o barco cheio de tucunaré, que mandava limpar separava um ou dois para ele e mandava repartir entre os moradores da vila.

No primeiro dia foi ótimo já que o peixe tem muita carne e pouca espinha e no forno fica uma delícia.

No segundo dia, lá voltou ele com mais? Tucunarés! Separa, limpa, distribui e a sobra ia para o Pioneiro(casa de hóspedes) para o freezer. Isso seria ótimo se fosse opcional receber o peixe, mas não era.

Ele havia mandado reduzir o abate de boi em função dos peixes que ele estava pescando e não é estória de pescador. A tal vara de pescar e ele traziam muitos peixes, todos os dias.

E foi terça, e foi quarta, e foi quinta e foi sexta e foi sábado. Ninguém conseguia mais olhar para o peixe. Quando a picape parava na porta, já se sabia: lá vem tucunaré.

Do Pioneiro(casa de hóspedes) começou a sobrar e ser mandado para a cozinha dos peões(trabalhadores braçais). No final tinha peão vindo na minha sala pedir para falar com ele para parar de pescar que eles não aguentavam mais comer? Tucunaré!

Já tínhamos feito o peixe de todas as maneiras possíveis e lá vinha Mr. Hamilton no barco lotado de? Tucunaré!

E no domingo, mais peixe e na segunda… na segunda, depois de uma semana inteira só comendo peixe, Mr. Hamilton parou de pescar.

Os mais gozadores diziam que o peixe fugia quando via que a isca era importada, outros aventavam a hipótese de que a esposa dele Da. Edna, também ter esgotado todas as receitas de peixe o certo foi que, para alívio geral, a carne de boi voltou ao cardápio diário.

Engordando o gado !

Transportando gado

Transportando gado

Como não tínhamos como manter uma grande quantidade de carne armazenada em freezer, comprávamos boi em pé e um vaqueiro tomava conta do rebanho, como já contei em A onça de Porto Trombetas.

O dono do barco comprava dos criadores, trazia para Porto trombetas, ele mesmo tinha uma balança no barco onde pendurava o boi e marcava o peso. Ao final somava-se o peso e pagava-se o valor devido.

Certa feita o Gerente Administrativo, o Fred chamou o vaqueiro, porque os bois estavam acabando muito rápido e não tinha crescido o efetivo de trabalhadores tanto assim.

-“Afinal, porra, o que é que está acontecendo com a boiada, que não está dando mais para alimentar o pessoal?”- perguntou o Fred.

-“Sei não Seu Fred, o boi chega gordinho e vai emagrecendo, em uma semana já perdeu quase a metade da carne”- respondeu o vaqueiro, sem olhar para cima.

-“Ô Fred, será que não é o pasto?”- falou o Tagá, seu secretário.

-“É não”- respondeu o vaqueiro-” o pasto está verdinho, com o tempo o boi vai ganhando carne de novo.”

-“Tem merda acontecendo, só não consigo imaginar qual é!”-exclamou o Fred, emendando-“Quando é que você pediu para trazer mais boi, Tagá?”

-“Deve estar chegando depois de amanhã!” respondeu Tagá

– “Avisa ao Comandante(piloto do nosso barco) que nós vamos atrás desse sacana, para ver o que está acontecendo, vamos sair hoje à noite”- ordenou Fred

Naquela meia noite Fred, Tagá, Comandante e Corta Água(apelido do maquinista do barco) saíram de Porto Trombetas atrás do vendedor dos bois. Passaram por Oriximiná e no amanhecer o Comandante avisou:

-“Seu Fred acho que aquele barco é ele!”

-“Desliga o motor e vamos chegar de surpresa”- pediu Fred e assim, devagarzinho, foram se aproximando do barco.

Corta Água ligou o motor novamente e encostaram no barco que , não havia mais dúvida, era do marreteiro.

Encostaram os barcos e Fred e Tagá pularam para dentro do barco com o gado, para surpresa do dono e seu ajudante.

Não foi difícil descobrir a manobra, o gado estava quase se matando para beber a água do cocho, significava que estavam há muito tempo sem beber ou ele só tinha dado sal e agora que faltava pouco para chegar no Porto Trombetas estava dando água para o gado se empanturrar e aumentar significativamente de peso.

-“Então é assim que você chega com o boi gordinho lá na mineração, seu filho da puta!”- gritou Fred, que bravo não era de ser enfrentado por muita gente-” vai enchendo o boi de água para pesar mais quando chega!”-

“Corta Água, amarra os barcos que nos vamos subir juntos para a mineração”- comandou Fred sem que ninguém o contestasse e assim foram um do lado do outro até Porto Trombetas.

Chegando lá, Fred avisou para o marreteiro:-“sai do barco que você vai ficar aqui pelo menos dois dias, até esse boi mijar tudo que você fez ele tomar”

-“Mas Seu Fred…” tentou argumentar o marreteiro, mas quando olhou para o Fred-“Sim senhor eu fico aqui no barco.”

“Negativo”-respondeu Fred-” você vai para o alojamento e o vaqueiro e seu ajudante vão cuidar do gado no barco. Você só volta aqui depois de amanhã, e tem mais ainda vai pagar os dois dias que vai ficar no alojamento.”

Não deu outra, quando passou o tempo determinado e começaram a pesar o gado, o total deu uns quinze por cento a menos do que o usual. Ao final da pesagem Tagá trouxe o valor e o marreteiro aos escritórios.

Enquanto eu preparava o cheque com o desconto da hospedagem alguma conversa houve na sala do Fred pois daquele dia em diante só se começava a pesar o gado dois dias depois da chegada.