Jantar de luxo – carne de primeira

Eu ainda estava na Vale mas cedido a Bauxita Mineração, que depois se transformou na mineração de Bauxita de Porto Trombetas.

Uma de minhas obrigações mensais era ir a Belém, conferir o movimento financeiro e contábil e fechar o mês do escritório. Enviava a documentação por malote e seguia para Porto Trombetas onde o serviço era mais puxado, pois tinha que contabilizar todos o mês em rascunhos, trazer para o Rio de Janeiro, contabilizar e mandar para Vitória.

Circuito aéreo nos fechamentos da mineração de bauxita

Circuito aéreo nos fechamentos da mineração de bauxita – a escala em Brasília era para troca de aeronave

Até o décimo dia do mês seguinte era indicado um representante que iria participar do fechamento em Vitória. Não consigo imaginar a razão de ser tão disputada essa vaga.

Afinal passar as manhãs, praticamente sem fazer nada, exceto os atrasadinhos, podendo ir à praia, comer um peixe ou camarão e tomar cerveja, passar à tarde no escritório, acompanhando os processamentos das rotinas de materiais e pessoal, até chegar a rotina de custos que durava cerca de umas 5/6 horas que tínhamos que estar lá caso algo desse errado.

Porém rapidamente foi criado um sistema de alarme que ou batia na janela avisando aos que estavam no Piranha’s Bar, ou iam de carro até Carapeba para avisar que o processamento terminara ou alguém precisava voltar para resolver problema.

Na mineração o sistema era diferente, enquanto a Vale pagava diárias, na Mineração o sistema era de prestação de contas.

Era interessante como os funcionários que iam cuidavam da saúde tal a quantidade de sucos naturais tomados nas refeições. Interessante, também era como num apartamento para duas pessoas, logo se arrumava uma forma de ficarem 4 ou mais. Porém na prestação de contas vinha como apartamento exclusivo.

Nem como quarto vinha! Um desses hotéis de preferência, me lembro, o Hotel Prata, lata de sardinha que nem ar condicionado tinha.

Hotel Prata - Centro - Vitória/ES

Hotel Prata – Centro – Vitória/ES

Se somassem todos os apartamentos individuais que os que prestavam conta usavam, ia necessitar uns dois hotéis e de qualidade bem superior. Mas fazer o que, tinha que ter dinheiro para pagar algumas extravagâncias, fora os chocolates e doces de jaca ao final do trabalho, na viagem de volta.

Nesse contexto me encontro conferindo a prestação de contas de um colega que tinha ido participar do fechamento e estou vendo lá :

– táxi ida e volta hotel/CPD/hotel e, realmente na noite, era essencial voltar de carro para o hotel. O que acontecia era que vinham cinco em um táxi, e na prestação era um táxi para cada um;

-Diária em apartamento individual no Hotel Prata;

– a alimentação era a mais interessante, podia ser prato feito ou churrasco o preço era sempre do churrasco, tanto no almoço quanto no jantar;

Lá estava eu na parte de alimentação, quando em meio as notas, uma em especial me chamou a atenção o local : Cidade de São Sebastião, no Município de Serra/ES.

Na nota : Um filé completo, com vários sucos de laranja natural e sobremesa.

Na minha Cabeça deve ter brilhado o neon : ATLÂNTICA”

A nota fiscal com todos os aspectos perfeitamente corretos, inscrições e o nome comercial ” Bar e Restaurante Dinorá Dias da Cruz Ltda.” que era nada mais nada menos que a dona da Boate Atlântica.

Chamei o colega, e baixinho trocamos algumas palavras:

-“Seu relatório de viagem está correto e vou levar para a aprovação, mas Dinorá Dias da Cruz? Que tipo de churrasco você comeu lá? E tomou um porre de suco de laranja? Isso sem falar na sobremesa, que aqui no Rio você não come ou passa para mim” – falei

-“Vai excluir da prestação de contas?” ele perguntou

-“Claro que não, está tudo correto, só muda de restaurante para não dar na vista”- falei morrendo de rir da cara que ele fez e me encaminhando para a sala do Gerente para pegar a assinatura de aprovação.

Farol de caçar macaco – final infeliz

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Eu, Marquinho Soarte e “Porquinho” nos olhávamos sem acreditar que estávamos atolados num “lago” feito por uma chuva, que começava a parar, sem saber quem ia decidir descer e empurrar.

Marquinho, que gostava de andar sempre arrumadinho, decidiu como ele estava no volante eu e “Porquinho” desceríamos e empurraríamos o fusquinha até a boate.

Mas descer significaria que a água ia inundar o fusquinha, e ele era da Henrieta para quem tinha que voltar antes das sete da manhã apenas com os estragos de uma chuva comum.

“Porquinho” decidiu -“Vamos empurrar!” – falou e empurrou a porta deixando a água inundar o carro. Antes de descer arregaçamos a barra das calças para não sujar sem pensar que o estrago nos sapatos e nas meias era certo.

Fomos para traz e começamos a fazer força, mas com a quantidade de água, dentro e fora, além do Marquinho dentro do carro, sequer conseguíamos que ele se mexesse.

Convocado a empurrar, também, Marquinho desceu do carro e começamos a conseguir  fazer o carro se mexer.

Se uma coisa está ruim a tendência é melhorar, certo? Errado !

No vai e vem do fusca, dentro da água, “Porquinho” perde os óculos.

-“Para tudo que meus óculos caíram na água! Todos procurando meus óculos!”- implorou ele.

Agora visualiza a situação: – Noite, estrada de terra cercada de mato, uma lagoa de água com mais de 30 centímetros de profundidade e ele deixa cair os óculos?

-“Nããããããõoooo!”- pensei.

“Está aqui em volta de mim”- diz “Porquinho”-“Vamos procurar com as mãos!”

“Eu não vou meter minha mão nessa água!”- definiu Marquinho com minha total aprovação-“Vamos empurrar o carro e amanhã voltamos para procurar os óculos.”

“Eu não saio daqui sem meus óculos!”- retrucou Porquinho já sentado no banco do fusca tirando os sapatos e as meias-“Vou procurar, pisando para ver se encontro.”

Retornando ao local onde estava quando empurrávamos o carro, começou a fazer aquelas pisadas em seu redor como quem pisa em ovos.

Enfim Ele olhou para nós e perdoou todos os pecados que tínhamos pensado em cometer: “Porquinho” acha seus óculos!

Enfim, entramos na cidade luz, três homens com as barras das calças arregaçadas, um deles descalço, empurrando um fusca com seu interior lotado de água e lama.

A primeira coisa que eu pensei foi:-“Entro, pego uma mulher, pago o quarto, tomo um banho, lavo minhas meias e meus sapatos e estou praticamente novo.”

“Ninguém sai daqui antes de esvaziar e enxugar o interior do carro de Henrieta!”- bradou “Porquinho” e repetiu- “O carro da Henrieta!”

Lá se foi o banho, uma roupa mais seca e meias e sapatos sem lama. Usando copos emprestados da boate, começamos a tirar a água de dentro do carro e depois com as meias enxugando o interior, o que levou o tempo que tínhamos para nos divertir.

Conseguimos um “mecânico” para fazer o carro pegar e voltamos para nossos hotéis para um bom banho, troca de roupas e voltar para o C.P.D. . Ficou à cargo de “Porquinho” levar o carro para um posto  e pedir uma lavagem rápida, para  entregar em ordem de forma que o Joaquim pudesse levar para sua esposa.

Graças a Ele tudo correu bem, exceto por um pequeno detalhe revelado por Joaquim quando voltou de casa com o carro : um pé de meia esquecido dentro do porta-luvas após secarmos o interior.

A meia era do “Porquinho” que só notou quando chegou no hotel. Quase que todo nosso esforço foi para o brejo, por sorte Henrieta não mexeu no porta-luvas.

Fim dessa aventura

Quem quiser conhecer mais da história de Carapeba, São Sebastião e boate Atlântica leia esse link : São Sebastião ou Carapeba

Foi publicada na revista Isto É, edição nº 2, de junho de 1976, pelo jornalista Octávio Ribeiro, o “Pena Branca”.

Farol de caçar macaco

Janela de uma das salas - Naquela época existiam pelo menos mais duas. Na esquina oposta ficava o "Piranhas Bar"

Janela de uma das salas – Naquela época existiam pelo menos mais duas.
Na esquina oposta ficava o “Piranhas Bar”

Deviam ser alguns minutos após as onze da noite e nós, lá nas salas, uns jogando conversa fora, outros dormindo em cima de listagens de dados, alguns no Piranha’s Bar que ficava na esquina oposta a sala em que eu estava.

– “Começou a rotina de custos” -falou o técnico em informática-“Vocês podem ir descansar, mas todos de volta entre 04:30h e 05:00h além de ficar disponível se der alguma zebra.”

Bater no vidro, naquela noite, para avisar o pessoal que estava no Piranha’s Bar era inútil tal a chuva que caia. Alguém se ofereceu e começamos a descer da sobre loja pelas escadas e formando os grupos que iam ficar no Piranha’s, ou ir para seus hotéis, ou como era de costume sair pela noite de Vitória/ES.

Dizer noite de Vitória era forçar o que ia acontecer já que naquele horário a cidade estava igual ao tempo tudo fechado.

Nas sequencias dos fechamentos foram se formando amizades fortes o que permitia que alguns técnicos que moravam em Vitória deixassem seus carros conosco, para um raio de mobilidade maior que simplesmente ir para o hotel tentar dormir três ou quatro horas.

Naquela noite, “Porquinho” ( já mencionado em Erro de percepção ), estava com o fusquinha do Joaquim que, na verdade, pertencia à esposa dele o que levava a ter um cuidado excepcional com o carro pois ela era muito ciumenta com ambos.

Com aquela chuva toda a maioria decidiu pelo hotel, porém, “Porquinho” insistia em ir para um bordel chamado “Atlântica” que ficava no na cidade de Carapeba, depois São Sebastião, hoje Novo Horizonte, no  município de Serra/ES

À “Porquinho” se juntou Marquinho Soarte, conhecedor das estradas e eu, embora temeroso da chuva e do motorista, resolvi seguir junto.

Sabíamos que o carro tinha que estar até as sete da manhã pois Henrieta, ia ao mercado fazer compras e queria chegar cedo para pegar os hortifrutis bem fresquinhos.

Já haviam saído uns dois carros na mesma direção, o seja Bar e Restaurante Dinorá Dias da Cruz Ltda, nome de fantasia Atlântica, e concordamos em tentar, com o carro que tínhamos.

Pouco mais da metade do trajeto,de uns 15 km, dois terços eram no asfalto e um terço em estrada de terra, sem nenhuma iluminação ou indicação.

Já no início da viagem os dois limpadores do para-brisa  começaram uma discussão passando, rapidamente para as agressões. Um descia e o outro vinha por cima para a agressão que era revidada pela levantada do primeiro e assim se sucedeu a viagem inteira.

Marquinho dirigia com o nariz colado no para-brisa tentando enxergar alguma coisa mas, enquanto no asfalto, as marcações da estrada sempre eram uma referência.

Quando saímos do asfalto, a coisa feia se tornou um terror, enquanto o farol direito insistia em iluminar o para-choque obrigando a colocar no alto, o farol esquerdo que no baixo funcionava razoavelmente, no alto ele iluminava as copas das árvores como se fôssemos caçadores de macacos. e nessa situação tanto Marquinho quanto “Porquinho”, que usava óculos de armação grosa e preta, com a cara no vidro tentando enxergar alguma coisa.

Não havia solução era alternando baixo e alto na tentativa de não entrar no mato com o carro da Henrieta.

-“Cuidado com o carro da Henrieta!”- clamava “Porquinho” já imaginando uma tragédia conjugal da qual Joaquim nada tinha a haver.

Se a coisa já estava ruim, desandou de vez quando chegamos na primeira entrada para Carapeba ou São Sebastião, à época, o maior centro de prostituição do Espírito Santo.

Haviam desde casas de chão de terra batida até a luxuosa Atlântica com seu neon iluminando a entrada. Diziam que as casas eram divididas em quatro níveis: de A à D, sendo que as más línguas diziam que o nível D era de doença.

A Atlântica era um complexo de bar e apartamentos( chegou a três andares de apartamentos) que abrigava umas cem mulheres, além das residentes no entorno que lá iam praticar sua assistência sexual. Havia também um amplo salão onde eventualmente ia um artista em decadência se apresentar, ou música saída de uma vitrola direto para auto falantes espalhados pelas colunas do salão.

Voltando à viagem, estávamos na dúvida se aquela era a entrada ou deveríamos seguir para tentar outra mais a frente. Na dúvida Marquinho decidiu: “É aqui!”- decisão colocada em dúvida logo depois ao depararmos com um “lago” formado pela chuva na estrada.

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Marquinho em dúvida, eu em silêncio, e “Porquinho” -“Acelera e vai, que dá!, Acelera e vai com fé, que dá!”- Essas frases deram passe livre para Marquinho que engatou primeira, acelerou e…não deu! Paramos no meio do lago com a água mais ou menos um terço entre o estribo e a maçaneta. O motor morreu e nada o fazia ressuscitar.

Os três se olhando, esperando que algum tivesse uma ideia luminosa para sair dali.

Amanhã, o término da aventura…

P.S.: à título de curiosidade, naquele prédio bege que se vê ao fundo da rua

Janela de uma das salas - Naquela época existiam pelo menos mais duas. Na esquina oposta ficava o "Piranhas Bar"

Janela de uma das salas – Naquela época existiam pelo menos mais duas.
Na esquina oposta ficava o “Piranhas Bar”

lateral do C.P.D. havia uma galeria com várias lojinhas, em que uma, em especial, vendia o melhor doce de jaca, cristalizado, do MUNDO! Ele vinha em uma caixinha feita de cartolina e amarrado por barbante, totalmente artesanal. Uma delícia que tínhamos que correr para comprar, no último dia em Vitória, sob pena de voltar sem pelo menos uma caixa .