A volante ataca

Volante -( significado no nordeste) – Militar = Diz-se do campo de tropas ligeiras, sem bagagens nem artilharia.

Minha demissão da empresa de mineração de cobre em Jaguarari, Bahia, foi feita em algumas etapas que juntaram elementos policialescos, politicagem e falta de consideração e encerrando isso tudo a estória da árvore vingativa .

Tudo começou no início do ano de 1981.

Estava eu e minha esposa gozando férias em Caxambu e São Lourenço, quando do retorno para o Rio de Janeiro  e ao chegar à casa de meus pais, numa quinta feira, recebi o recado de que meu chefe, o Superintendente de Administração, pedia que eu ligasse imediatamente para ele.

“Oi Júlio, aqui é o Araken, você deixou um recado para que eu te ligasse urgente, o que está acontecendo?”- disse eu ao telefone.

Ao que o Júlio respondeu:-“Interrompe suas férias, troca sua passagem e volta imediatamente para cá, o Diretor de Financeiro(orçamento, custo, contabilidade, patrimônio e finanças)  marcou uma reunião para segunda feira onde será discutido o futuro organograma da sua área e até onde eu sei eles querem levar tudo para Salvador e deixar você e uma secretária, aqui na mina. Você tem que montar toda sua estrutura até domingo. Na segunda pela manhã vamos de táxi aéreo para Salvador encontrar nosso Diretor(Industrial) e ele quer ser convencido de que sua estrutura é a melhor para a empresa.”

Havia, naquela época uma empresa de consultoria que estava fazendo um projeto de reestruturação na Administração Central, na Mina e na Metalurgia, e eu tinha bastante contato com o consultor que estava na Mina.

Era um português e eu quando criança havia ido a Portugal e Espanha, o que nos dava assunto para conversar e fazer uma certa amizade.

-“Júlio, pede ao consultor que me espere pois vou precisar muito da experiência dele para construir uma estrutura sólida, que convença o nosso Diretor, se ele se convencer ninguém mais vai conseguir questionar.”- pedi

Assim foi feito remarquei nossa passagem para sexta e pedi para minha secretária em Jaguarari comprar as passagens de Salvador/Juazeiro de forma a que ninguém em Salvador soubesse de minha volta, e que fosse trabalhar no fim de semana.

Chegamos em nossa casa em Jaguarari na madrugada de sábado. Dormi um pouco e logo havia um carro da Mina na minha porta, já com o consultor dentro. Partimos para o escritório.

O primeiro e mais difícil da nossa tarefa foi identificar cada cargo e descrevê-los, depois verificar quantos seriam necessários para cada cargo e porque  e finalmente se havia ou não a necessidade de uma supervisão.

A medida que íamos avançando Rosário, minha secretária ia transformando nossas anotações nos padrões que a consultoria usava. isso levou todo o sábado e a maior parte do domingo.

Quando terminamos a estrutura estava montada com todos os cargos descritos, quantificados e justificados. Estávamos prontos para a batalha. Do escritório liguei para meu chefe Júlio, o Superintendente Administrativo:

-“Júlio, aqui é o Araken, terminamos o trabalho e queria saber se você quer dar uma olhada antes de irmos, amanhã, para Salvador. Posso passar pela sua casa(quase em frente da minha) com o consultor e te explicar”- eu disse

Estrutura Proposta

Estrutura Proposta

-“Precisa não, amanhã você vai ter de explicar para nosso Diretor e eu vou estar junto”- ele respondeu encerrando a conversa.

Tudo resolvido e ficamos combinando a estratégia da reunião com o Diretor Industrial, que seria na parte da tarde, após conversarmos com o meu Diretor.

Segunda feira:

Depois de pousarmos no aeroporto de Salvador fomos direto para o Gabinete do Diretor Industrial e lá ficamos até que ele mandou entrar a mim e ao meu Superintendente.

“Puta que pariu, Araken!”- Nosso Diretor Industrial era assim algumas palavras um palavrão, mas nunca soou ofensivo-“acabaram com suas férias! O que é que você preparou para a reunião de hoje?”

Tirei o material da pasta, e fui mostrando e ele questionando:-” Mas precisa dessa merda mesmo? Por que?”- e eu explicando.  Vez por outra o meu Superintendente me dava uma força.

“Até agora eu entendi essa porra toda, mas quem vai pagar os fornecedores!”-perguntou, finalmente o Nosso Diretor.

“Essa é a surpresa que nós preparamos”-disse olhando para meu Superintendente que balançou afirmativamente a cabeça-“vamos passar para a Administração Central, é isso que eles querem, o Contas a Pagar e nós vamos entregar numa bandeja de ouro. Não faz a menor diferença para a Mina onde se prepara o pagamento, lá ou aqui, por isso nem consta do organograma”-encerrei minha explicação.

-“Acho que eles vão tomar um susto do caralho! Eu estou convencido e agora vou para casa almoçar e voltamos a nos encontrar na sala de reuniões”- disse o Diretor encerrando nossa reunião.

A Reunião:

É preciso, antes falar do respeito que todos tinham pelo nosso Diretor Industrial. Todos os demais Diretores que tinham como origem o Grupo Vale ou o BNDES haviam sido substituídos por indicações políticas baianas.

Entramos os três na sala de reuniões : o Diretor industrial, o meu Superintendente e eu. Lá dentro uma tropa de choque nos esperava : O Diretor Financeiro, o Superintendente de Controle(Contabilidade, orçamento, custos, controle patrimonial, contas a pagar), o Superintendente Financeiro, e seus gerentes.

Quem abriu a reunião foi o Superintendente de Controle:

-“Araken, talvez você não tenha conhecimento, mas estamos trazendo uma nova proposta para sua área”- falou ele como se eu houvesse acabado de chegar de férias.

Meu Diretor fez um gesto, interrompendo e:

-“Eu gostaria que antes o Araken apresentasse a proposta dele para a área de Controle da Mina!” e antes que alguém dissesse alguma coisa ele se virou para mim:

-“Araken, mostra o que você preparou.”

-“Como não sabia que ia ter tanta gente na reunião eu só fiz quatro cópias além das que já estão em poder do meu Diretor e do meu Superintendente”- e enquanto falava entreguei as cópias ao Superintendente de Controle que redistribuiu: uma para o Diretor Financeiro, uma para o Superintendente de Finanças, uma ficou com ele e a outra num bolo de gerentes se amontoando para ver o material. Teria sido cômico se ali não estivesse sendo definida a vida de 54 funcionários, meus, da Mina e Concentração.

-“No conjunto que vocês estão recebendo estão o organograma, o quantitativo por nível hierárquico, o quantitativo por função e a descrição das funções.” comecei.

-“Como podem verificar não consta do meu organograma a Supervisão de Contas a Pagar!” e ia continuar quando o Gerente de Controle, totalmente aturdido, exclamou:

-“Não? Como assim?”- disseram, ele e o Superintendente de Controle, quase fazendo um dueto. Toda a estratégia deles para a reunião estava indo pelo ralo. Nenhum deles se importava com o resto, o pote de ouro era o Contas a Pagar e decidida a transferência para a Administração Central em Salvador, o restante estava em aberto.

-“Dada as condições sob as quais a empresa está passando o melhor será centralizar o Contas a Pagar na Administração Central e sendo assim não consta na minha proposta de organograma.”- encerrei

-“E eu concordo com o que o Araken me argumentou, emendou meu Diretor Industrial!”-jogando a última pá de terra enterrando  tudo que estava armado para acabar com a minha área na Mineração e Concentração.

Daí para frente foi só meu monólogo explicando como havia sido dimensionada cada área, com algumas interrupções do meu Diretor que perguntava:

-“A menos que vocês tenham algum estudo que discorde do que o Araken está falando”- quase uma maldade, pois todo estudo deles estava voltado para o Contas a Pagar e como isso já tinha saído de pauta todas as pastas estavam fechadas.

O resultado:

Ao final da reunião eu que havia ido com uma proposta de um efetivo de 54 funcionários fiquei com 55 ou seja um a mais do que eu havia preparado.

O Diretor Industrial nos levou para a sala dele e falou com o meu Superintendente :

-“O Araken vai ficar mais uns dias aqui e vai ajudar na elaboração de um material semelhante para a Metalurgia”- determinou ele, encerrando nossa participação.

A estória:

Dizem que após a reunião os Superintendentes de Controle, o de Finanças e o Diretor Financeiro se reuniram na sala desse último:

-“VENCEMOS!”- teria exclamado o Diretor Financeiro

-“Vencemos o que?”- teria respondido o Superintendente de Controle com aquiescência do Superintendente financeiro e jogando o organograma que eles haviam preparado e o aprovado na mesa do Diretor -“Olha a diferença! Era para ser só o Araken e uma secretária! Agora olha a estrutura que nós mesmos concordamos, 55 pessoas!”-vociferou-“Vencemos o que?”- encerrou acabando com a alegria de seu Diretor.

1ªpágina do memorando do Superintendente de Controle para o Diretor Financeiro - após a reunião

1ªpágina do memorando do Superintendente de Controle para o Diretor Financeiro – após a reunião

Página final do memorando resultado da reunião de dimensionamento da minha área

Página final do memorando resultado da reunião de dimensionamento da minha área

O que sobrou para mim:

Como determinou o Diretor Industrial passei mais três dias na Metalurgia em Camaçari, ajudando meu equivalente Gerente de Controle e Finanças a elaborar a estrutura dele e retornei para Jaguarari/BA.

Dessa época em diante até a minha demissão eu passei a ter a visita de um auditor, da sede, toda a semana fazendo seu trabalho na minha área.

Contam até uma estória de que em um aniversário de um funcionário meu, o auditor de plantão naquela semana teria tomado todas e dito para esse meu funcionário:

-“Eu tenho ordens de achar qualquer coisa contra seu chefe, você não quer me ajudar?”- Até onde eu sei o funcionário recusou.

Ainda há mais a contar mas que deixarei para a próxima postagem.

Leave a comment