Histórias em Salvador, BA

FESTA DE LARGO

Voltávamos de um almoço no Clube Espanhol, o representante da empreiteira que executava as obras da mina subterrânea em Jaguarari,eu, meu chefe o Júlio e Roberto me supervisor de contabilidade.

Vínhamos pela Av. Oceânica seguindo em direção ao Centro Empresarial Iguatemi, ao lado do shopping de mesmo nome.

Eram por volta das três da tarde e, repentinamente um enorme engarrafamento. Enquanto nosso carro, com ar condicionado graças a Deus, andava quase aos trancos entre os carros e na calçada passavam muitas pessoas.

Explico: Salvador tem, a tradição de festas de largo, que animam as comemorações de uma determinada igreja.

Se eu não me engano era no Rio Vermelho, subitamente três mocinhas batem no vidro e fazem sinal como se fosse para saltar do carro e acompanhá-las. Ninguém falou nada e continuamos naquele anda e para até passarmos pela festa.

Eram três da tarde e a praça estava totalmente lotada, fizemos algum comentário sobre o horário e o tanto de gente que ali havia, e seguimos para os escritórios.

Terminada a reunião e num momento em que  ficamos sós, Roberto falou :

-“Se eu estou sozinho tinha descido e acompanhado aquelas meninas.”

– “E porque não falou” – retrucou nosso chefe o Júlio-“eu pensei a mesma coisa.”

-“Todos nós pensamos a mesma coisa, então”- falei-” mas como você é o nosso chefe e não disse nada, ninguém teve coragem de sugerir saltar ali e deixar a reunião de lado”

Naquela hora decidimos que iríamos, à noite, para lá.

Festa de largo

Festa de largo

Impressionantemente a praça estava mais vazia que à três da tarde, quando passamos por lá mas, mesmo assim, bastante animada.

Procuramos uma mesa, sentamos, pedimos duas cervejas e três copos e quando o garçom trouxe o que havíamos pedido, nos deu um conselho:

“Segurem as garrafas e os copos!”

Estranho aviso que rapidamente foi entendido. Mais ao lado de nossa mesa saiu um empurra empurra, que sobrou para nós e antes das cadeiras virarem levantamos com os copos e as garrafas na mão.

Daí para frente foi só aproveitar a festa, sempre segurando as garrafas e os copos, pois de quando em quando  saía uma confusão, mas que só derrubava uma o outra cadeira, sem maiores consequências.

O arrependimento de não ter descido, quando chamados, durou por muito tempo em nossos comentários, já em Jaguarari.

Vai à luta

Em outra ocasião que estivemos, os três, em Salvador decidimos que iríamos procurar uma boate, para nos divertimos, e assim foi.

Certos de que qualquer taxista nos levaria ao de melhor havia em Salvador, pegamos um carro e pedimos que nos levasse para uma boate.

O táxi tomou o rumo da cidade baixa, o que já me deixou um pouco preocupado

Arredores da Praça Castro Alves

Arredores da Praça Castro Alves

com a qualidade solicitada e chegando num prédio ao redor da Praça Castro Alves o taxista apontou:

-“É ali”- apontando para uma porta que dava para uma escada-“é só subir a escada”

Quem está na chuva é para se molhar.

O local visivelmente mais para cais do porto do que boca do luxo(em São Paulo), mesmo assim escolhemos uma mesa, que quase

Prostíbulo

Prostíbulo

não tinha espaço entre as outras, pedimos nossas bebidas e ficamos apreciando o local, com as assistentes sexuais passando em volta e sempre pedindo alguma coisa.

No meio da madrugada, na mesa ao lado e na cadeira atrás da de Roberto sentou um armário. Sabe um cara grande, ele era maior, e ao sentar esbarrou na cadeira do Roberto.

Sempre meio esquentadinho ele já queria empurrar a cadeira dele contra a do cara, no que foi rápida e imediatamente impedido por mim e pelo Júlio. Agora imagina se sai uma confusão num lugar que só tinha a escada para sair e vários para baterem em nós. Ia ser manchete nos jornais do dia seguinte.

Segue a madrugada e Roberto arruma um das “moçoilas” para conversar. A conversa se arrastava pela madrugada e se concentrava no preço.

Nós, eu e o Júlio, bebendo e o Roberto no ouvido da moça, conversando e a moça no ouvido dele respondendo.

Os garçons já começavam a tirar as toalhas da mesa, quando fizemos um sinal para o Roberto se decidir, nem a música alta tocava mais, só o zumbido no nosso ouvido.

Quando ouvimos o Roberto falar:

-“Isso eu não pago, se quiser é “tanto” se não, vai a luta, procura outro!”

Depois de horas de conversa com a moça, boate vazia e ele manda ela procurar outro! Pagamos a conta, sem questionar o valor e saímos . Pegamos um táxi para nos levar para o hotel que eu sempre escolhia: o Hotel Convento do Carmo.

Da perdição para a redenção.

Fim de noite perigoso

Hotel Convento do Carmo

Hotel Convento do Carmo

O Hotel Convento do Carmo, naquela época, não ficava numa zona muito calma de se sair ou chegar na madrugada e ao chegarmos numa descida, no táxi, o motorista parou quando viu que no final da ladeira, no meio da rua havia uma kombi com uma pessoa do lado de fora conversando com o motorista.

Lá do alto ele piscou várias vezes com o farol alto mas ninguém se mexia. Repentinamente ele engata marcha a ré, faz uma manobra de retorno e fala :

-“Vamos sair que é assalto”

Saímos de lá o mais rápido possível demos uma longa volta e chegamos ao hotel pelo outro acesso.

Noite animadíssima.

A volante ataca, faz estragos mas é derrotada – estórias

Após meu retorno para o escritório e a recusa ao convite para trabalhar na Administração Central, em Salvador, o ataque continuou mais pesado.

Vendo que a auditoria não conseguia achar nada além de uma cobrança não feita, resolveram lançar uma bomba sobre Jaguarari.

Nesse ponto preciso explicar sobre essa cobrança:

Foi feita uma licitação, da qual não participei em etapa nenhuma, para fazer a manutenção dos veículos leves da Mineração e Concentração de cobre e que foi ganha pelo dono da concessionária da Chevrolet, de Petrolina, PE.

No contrato ele iria separar no almoxarifado da nossa empresa as peças que poderia usar para seu serviço e elas seriam cobradas dele. PONTO. É preciso ressaltar esse PONTO pois no contrato não informava como nem quando seria feita essa cobrança.

Outra explicação:

Esse mesmo Senhor, dono da concessionária Chevrolet, costumava vender seus carros para os empregados da Mineração e Concentração e em condições muito vantajosas.

Continuando:

A bomba veio em forma de telefonema :

-“Araken?”- do outro lado da linha o Gerente de Controle(contabilidade, orçamento e custos) – “Você precisa vir a Salvador pois abrimos um Inquérito Administrativo e você tem que depor”.

– “Eu?”- respondi surpreso -” sobre o que, porque eu? Não recebi nenhum comunicado!”

-“Vem para cá que nós conversamos.” – e desligou a ligação.

Fui para a sala de meu Superintendente, que também não sabia de nada e que imediatamente ligou com nosso Diretor.

Após algumas trocas de palavras ele desligou e disse: “É para você ir !”

Um “Inquérito Administrativo” é algo muito sério e que para ter valor tem que seguir uma série de etapas, que simplesmente foram ignoradas. E assim lá fui eu para Salvador no dia marcado.

Já cabreiro com o que estava acontecendo e certo de que o foco seria a não cobrança e o fato de eu ter comprado um carro Chevrolet do fornecedor dos serviços, peguei toda a documentação que tinha e lá fui para Salvador.

A sala lembrava um episódio do “Ed Mort” (seria cômico se minha reputação não estivesse em jogo)

Estávamos eu. o Gerente de Controle e seu braço direito, além de outro funcionário que ia datilografar a inquisição.

Hoje, depois de tanta água passada lembro da cena como ridícula. O Gerente e seu braço direito se fazendo de “Inquisidores” e eu ali tentando manter a calma.

– “Vamos começar por favor identifique-se.” disse solenemente o Gerente.

Após me identificar, o Gerente ia iniciar com uma pergunta quando eu o interrompi.

-“Antes de qualquer coisa eu quero que seja consignada minha visão sobre o que está acontecendo.” – disse firme.

-“Mas não é assim que funciona” – respondeu o Gerente surpreso com minha atitude.

-“Pode não ser, em um inquérito administrativo corretamente convocado, mas quero deixar claro de que estou aqui de forma colaborativa em uma conversa não tendo nenhum valor legal o que aqui for dito. Escreve isso aí!’ – falei olhando para o datilógrafo.

-“Mas não é assim que funciona” – insistiu o Gerente ante o olhar de pedido de aprovação, do datilógrafo.

-“Bem se não é assim que funciona, faça da forma correta e estarei aqui para colaborar no que for preciso!” – cortei, juntando minhas coisas para me levantar.

“Escreve o que ele disse.” – falou o Gerente para o datilógrafo.

Ao fim do texto datilografado e antes que eles começassem a fazer perguntas, fui eu que perguntei :

– “Qual a razão de estar aqui? Qual é o assunto principal e eu sou o que: réu, testemunha ou vítima?”

– “Mas não é assim que funciona” – repetiu mais uma vez já entrando em desespero- “Quem faz as perguntas somos nós.”

-“Porque? Onde está escrito? Afinal qual o papel que estou representando aqui? Eu sou réu em alguma acusação? Qual?” – respondi rápido, não dando chance a nenhuma pergunta, e insisti-“Sou réu ou o que? E qual é a razão da minha vinda para cá?”

-“Bem, não …”- balbuciou o Gerente deixando espaço para mim.

Me virando para o datilógrafo, ordenei : -” Então escreve aí que estou aqui nessa “conversa”, sem nenhuma acusação e a título de colaboração sobre um assunto que ninguém sabe o que é!”

-“Não escreve não!” – ordenou o Gerente

-“Então eu sou réu? De que acusação? – emendei

– “Não você não é réu e o assunto é a cobrança das peças do contrato de manutenção de veículos leves.” – e com a minha concordância nesse texto o datilógrafo fez seu trabalho.

-“Esclarecido que isso aqui não é senão uma conversa de esclarecimento sobre procedimentos de cobrança podemos começar”- disse e pedi que fosse datilografado o que havia falado.

– “Então, você tem um carro zero comprado da concessionária da Chevrolet em Petrolina, que é nossa fornecedora de serviços de manutenção?” – disse o Gerente

-Não escreve isso, pois não tem nada a haver com o propósito dessa nossa conversa, que é a cobrança das peças.”- e o datilógrafo olhando para o Gerente não escrevendo nada aguardava para uma confirmação que veio com balanço de cabeça.

Já desanimado, o Gerente perguntou -“Porque a cobrança das peças ficou engavetada até hoje com a empresa perdendo dinheiro?”

Tirando um telex da minha pasta, respondi :

– “Você tem razão em perguntar a razão da demora, mas também você tem a

Para quem não sabe o que é um telex eis a máquina.

Para quem não sabe o que é um telex eis a máquina.

resposta para isso e se eu deixei de fazer algo foi de não insistir numa resposta sua para esse telex” – empurrando uma cópia para ele – “onde eu peço para que você esclareça que tipo de cobrança deveria ser feita e como fazê-la, ou seja se nota fiscal ou de débito, se receber em dinheiro ou abater de cobranças contratuais, etc., que está sem resposta até hoje”.

Mais uma vez toda uma estratégia elaborada para me colocar contra a parede ia por água a baixo.

Virando-se para seu braço direito perguntou: -“Você recebeu esse telex?”

-“Acho que sim e passei para o setor fiscal”- respondeu

– Vai lá e pega a resposta” – ordenou o Gerente cada vez mais bravo.

Enquanto ele se levantava e saía da sala, virei-me para o datilógrafo :

-“Escreva aí que o Gerente de Controle da Mineração e Concentração enviou telex consultando como proceder na venda das peças, e que definida a forma de cobrança não haverá prejuízo para a empresa pois temos faturas anteriores pendentes de pagamento por falta de envio de recursos pelo BNDE”

E ficamos naquele barulho das teclas marcando o papel e depois um silêncio profundo apenas interrompido pelo retorno do seu assistente.

-“Ele esqueceu de responder”- falou cabisbaixo, sabendo que ia sobrar para todos da Gerência.

Aproveitando a bola quicando, mas sem tripudiar me virei para o datilógrafo:

-“Acrescenta aí : que até o presente momento a Gerência de Controle não se manifestou sobre a forma de cobrança.”

O resto da inquisição foi sobre movimentação no almoxarifado, sobre algumas pessoas(que me recusei a responder).

Lido o que havia sido dito e datilografado assinamos as vias. Ao saber que não ia levar nenhuma pedi de volta e coloquei tracinhos no início e no fim de cada linha e rubriquei no início da primeira linha e no final da última.

Ao nos levantarmos para ir embora eu me virei para ele e falei :

-” É verdade que comprei um Chevrolet zero, dando o meu antigo como entrada e pagando o resto em seis vezes sem juros nem correção monetária. Aliás, eu, o Superintendente Geral, o meu Superintendente e mais uns dez que eu me lembre compraram carros zero com esse preço especial.” – eu não conseguia, mais uma vez, ficar calado.

Meu chefe de setor também fora chamado e respondeu, com algumas divergências sem importância no contexto, a mesma história que eu havia dito.

Passado uns meses, fui demitido.

Ficasse apenas na demissão seria o direito da empresa como seria o meu de pedir demissão. Não ficou.

Nas nossas casas haviam telefones que pertenciam à empresa( hoje Mineração Caraíba * ) e as contas pagas por cada um de nós. No dia que recebi minha carta de demissão, que depois foi alterada a data para mais uma semana, como falei em A estória da árvore vingativa , cortaram minha linha telefônica o que se mostrou uma falta de consideração já que eu concordara em ficar .

(*) A história, páginas 8 e 9 do documento

Acabou? Tem mais.

Na semana em que fiquei “passando o serviço” para quem ia ocupar a vaga aberta pela minha demissão, recebi uma ligação de Salvador, aparentemente da Administração Central, de uma pessoa que se dizia Coordenador de Segurança da empresa:

-“Araken? Aqui é o Coronel “fulano de tal” Coordenador da Segurança.”-falou essa pessoa – “eu sei que você não tem nada com isso, você vem aqui e fala com o nosso Presidente”- nessa altura eu já via a armação: eles queriam o Júlio, meu Superintendente -“e fica tudo bem.”

Pensei um pouco e respondi: -“Olha Coronel, eu sou um empregado muito bem mandado (que cumpre o que mandam), e se a empresa julga que eu não sirvo mais para os planos dela e aceito e vou embora. Fico muito sensibilizado pela sua atenção, afinal nunca fomos apresentados, mas se a decisão é de me demitir eu aceito.”- e desliguei.

Não posso confirmar essa estória, mas soube por um outro funcionário da empresa em Salvador que essa pessoa dizia pelos corredores “… ele nunca mais volta para qualquer empresa da CVRD…”

Na sequência eu tive essa confirmação quando voltei para o Grupo da CVRD, mas isso é outra história.

Outra coisa que irritou as pessoas que me queriam fora da empresa foi que durante a preparação dos documentos para retirar meu FGTS, eu e minha esposa fomos fazer turismo descendo pelo oeste da Paraíba, passando uns dias em João Pessoa, Natal e Fortaleza, antes de preparar minha mudança e voltar para o Rio.

Estou publicando, hoje, em outro post documentos e fotos sobre a Mineração Caraíba.

Declaração da empresa

Declaração da empresa

Em 1982 entrei com uma ação trabalhista contra a Caraíba Metais na qual,oito anos depois, foi fechado um acordo onde recebi cerca de 90% de todos os valores pleiteados!

Das cinco empresas em que trabalhei como empregado essa foi a única que acionei na justiça trabalhista.

Fim dessa etapa de minha vida.

1º parte da trilogia A Volante ataca

2ª parte da trilogia A Volante ataca

A volante ataca – estórias decorrentes

Como narrado ao término da história da reunião que iria reduzir minha área na Mineração e Concentração, contado em : A volante ataca .

Alguns dias após retornar aos meus afazeres em Jaguarari e contando com a presença constante da auditoria na minha gerência, recebo um telefonema do Superintendente de Controle(contabilidade, orçamento, custos e controle patrimonial) me fazendo a surpreendente proposta:

-“Araken, aqui é o Superintendente de Controle da Administração Central (em Salvador) gostaria que você viesse até aqui para termos uma conversa, quero lhe fazer um convite.”

-“Bom, eu não posso me ausentar agora pois acabei de voltar de férias, fiquei aí em Salvador mais de uma semana e preciso me organizar, aqui em Jaguarari”- respondi.

-“Então pensa nisso”- continuou ele-“que tal vir trabalhar comigo aqui em Salvador? Você seria meu assistente!”

-“Vou pensar e te ligo na semana que vem, quem sabe vou até aí em Salvador para conversarmos pessoalmente”- respondi ganhando tempo.

Fiquei matutando – “Aí tem! Se eu sair daqui e for para Salvador, mudo de Diretoria e é só um empurrão para ser demitido.”

Com isso na cabeça fui para casa, conversei com minha esposa e fiz umas contas:

– Meu salário é X;

– Tenho uma excelente casa, uniforme, transporte e não pago nada por isso;

Frente da Casa de Jaguararí

Frente da Casa de Jaguararí

Somando o que iria pagar me mudando para Salvador de aluguel, transporte, alimentação e mais o meu salário deu um número que, se não era maior, certamente ficaria bem próximo do de quem me convidava.

No dia seguinte fui falar com o meu Superintendente:

-“Júlio, ontem recebi uma ligação estranha do Superintendente de Controle da Administração Central me convidando para ser seu Assessor, o que você acha?”

-“Uma fria”-respondeu e continuou-“você vai ficar cercado por aquela turma que tentou te derrubar, não vão te dar nada para fazer e ainda tem a possibilidade de logo te mandarem embora”

-“Foi o que pensei, obrigado!”- respondi saindo da sala dele.

Saí da sala dele certo da decisão a tomar porém não queria ser apressado e deixei para ligar na semana seguinte.

Centro Empresarial Iguatemi - Sede da Caraíba Metais em Salvador

Centro Empresarial Iguatemi – Sede da Caraíba Metais em Salvador

-“Alô, aqui quem fala é o Araken de Jaguarari o Superintendente pode me atender?-” falei com a Secretária, que imediatamente passou para ele.

-“Olha, eu andei fazendo umas contas” – falei-“e cheguei a conclusão que vou perder dinheiro indo para Salvador. Aqui tenho vários banefícios e que se a empresa for assumir aí eu vou ficar com um salário altíssimo, talvez igual ou superior ao seu. Veja aqui eu tenho casa, transporte inclusive na hora do almoço, almoço em casa, tenho uma horta na casa e ouras coisas que me facilitam a vida e que em Salvador sairia muito caro.”

-“Entendo”- respondeu secamente.

-Eu fico extremamente honrado em você ter pensado em mim, quando tem à sua volta pessoas iguais ou melhores que eu, muito obrigado pela lembrança”- continuei a conversa.

-“Tudo bem, um abraço”- continuou secamente.

Bem, daí em diante começou o meu calvário, que continuarei a contar na próxima quinta.

A volante ataca

Volante -( significado no nordeste) – Militar = Diz-se do campo de tropas ligeiras, sem bagagens nem artilharia.

Minha demissão da empresa de mineração de cobre em Jaguarari, Bahia, foi feita em algumas etapas que juntaram elementos policialescos, politicagem e falta de consideração e encerrando isso tudo a estória da árvore vingativa .

Tudo começou no início do ano de 1981.

Estava eu e minha esposa gozando férias em Caxambu e São Lourenço, quando do retorno para o Rio de Janeiro  e ao chegar à casa de meus pais, numa quinta feira, recebi o recado de que meu chefe, o Superintendente de Administração, pedia que eu ligasse imediatamente para ele.

“Oi Júlio, aqui é o Araken, você deixou um recado para que eu te ligasse urgente, o que está acontecendo?”- disse eu ao telefone.

Ao que o Júlio respondeu:-“Interrompe suas férias, troca sua passagem e volta imediatamente para cá, o Diretor de Financeiro(orçamento, custo, contabilidade, patrimônio e finanças)  marcou uma reunião para segunda feira onde será discutido o futuro organograma da sua área e até onde eu sei eles querem levar tudo para Salvador e deixar você e uma secretária, aqui na mina. Você tem que montar toda sua estrutura até domingo. Na segunda pela manhã vamos de táxi aéreo para Salvador encontrar nosso Diretor(Industrial) e ele quer ser convencido de que sua estrutura é a melhor para a empresa.”

Havia, naquela época uma empresa de consultoria que estava fazendo um projeto de reestruturação na Administração Central, na Mina e na Metalurgia, e eu tinha bastante contato com o consultor que estava na Mina.

Era um português e eu quando criança havia ido a Portugal e Espanha, o que nos dava assunto para conversar e fazer uma certa amizade.

-“Júlio, pede ao consultor que me espere pois vou precisar muito da experiência dele para construir uma estrutura sólida, que convença o nosso Diretor, se ele se convencer ninguém mais vai conseguir questionar.”- pedi

Assim foi feito remarquei nossa passagem para sexta e pedi para minha secretária em Jaguarari comprar as passagens de Salvador/Juazeiro de forma a que ninguém em Salvador soubesse de minha volta, e que fosse trabalhar no fim de semana.

Chegamos em nossa casa em Jaguarari na madrugada de sábado. Dormi um pouco e logo havia um carro da Mina na minha porta, já com o consultor dentro. Partimos para o escritório.

O primeiro e mais difícil da nossa tarefa foi identificar cada cargo e descrevê-los, depois verificar quantos seriam necessários para cada cargo e porque  e finalmente se havia ou não a necessidade de uma supervisão.

A medida que íamos avançando Rosário, minha secretária ia transformando nossas anotações nos padrões que a consultoria usava. isso levou todo o sábado e a maior parte do domingo.

Quando terminamos a estrutura estava montada com todos os cargos descritos, quantificados e justificados. Estávamos prontos para a batalha. Do escritório liguei para meu chefe Júlio, o Superintendente Administrativo:

-“Júlio, aqui é o Araken, terminamos o trabalho e queria saber se você quer dar uma olhada antes de irmos, amanhã, para Salvador. Posso passar pela sua casa(quase em frente da minha) com o consultor e te explicar”- eu disse

Estrutura Proposta

Estrutura Proposta

-“Precisa não, amanhã você vai ter de explicar para nosso Diretor e eu vou estar junto”- ele respondeu encerrando a conversa.

Tudo resolvido e ficamos combinando a estratégia da reunião com o Diretor Industrial, que seria na parte da tarde, após conversarmos com o meu Diretor.

Segunda feira:

Depois de pousarmos no aeroporto de Salvador fomos direto para o Gabinete do Diretor Industrial e lá ficamos até que ele mandou entrar a mim e ao meu Superintendente.

“Puta que pariu, Araken!”- Nosso Diretor Industrial era assim algumas palavras um palavrão, mas nunca soou ofensivo-“acabaram com suas férias! O que é que você preparou para a reunião de hoje?”

Tirei o material da pasta, e fui mostrando e ele questionando:-” Mas precisa dessa merda mesmo? Por que?”- e eu explicando.  Vez por outra o meu Superintendente me dava uma força.

“Até agora eu entendi essa porra toda, mas quem vai pagar os fornecedores!”-perguntou, finalmente o Nosso Diretor.

“Essa é a surpresa que nós preparamos”-disse olhando para meu Superintendente que balançou afirmativamente a cabeça-“vamos passar para a Administração Central, é isso que eles querem, o Contas a Pagar e nós vamos entregar numa bandeja de ouro. Não faz a menor diferença para a Mina onde se prepara o pagamento, lá ou aqui, por isso nem consta do organograma”-encerrei minha explicação.

-“Acho que eles vão tomar um susto do caralho! Eu estou convencido e agora vou para casa almoçar e voltamos a nos encontrar na sala de reuniões”- disse o Diretor encerrando nossa reunião.

A Reunião:

É preciso, antes falar do respeito que todos tinham pelo nosso Diretor Industrial. Todos os demais Diretores que tinham como origem o Grupo Vale ou o BNDES haviam sido substituídos por indicações políticas baianas.

Entramos os três na sala de reuniões : o Diretor industrial, o meu Superintendente e eu. Lá dentro uma tropa de choque nos esperava : O Diretor Financeiro, o Superintendente de Controle(Contabilidade, orçamento, custos, controle patrimonial, contas a pagar), o Superintendente Financeiro, e seus gerentes.

Quem abriu a reunião foi o Superintendente de Controle:

-“Araken, talvez você não tenha conhecimento, mas estamos trazendo uma nova proposta para sua área”- falou ele como se eu houvesse acabado de chegar de férias.

Meu Diretor fez um gesto, interrompendo e:

-“Eu gostaria que antes o Araken apresentasse a proposta dele para a área de Controle da Mina!” e antes que alguém dissesse alguma coisa ele se virou para mim:

-“Araken, mostra o que você preparou.”

-“Como não sabia que ia ter tanta gente na reunião eu só fiz quatro cópias além das que já estão em poder do meu Diretor e do meu Superintendente”- e enquanto falava entreguei as cópias ao Superintendente de Controle que redistribuiu: uma para o Diretor Financeiro, uma para o Superintendente de Finanças, uma ficou com ele e a outra num bolo de gerentes se amontoando para ver o material. Teria sido cômico se ali não estivesse sendo definida a vida de 54 funcionários, meus, da Mina e Concentração.

-“No conjunto que vocês estão recebendo estão o organograma, o quantitativo por nível hierárquico, o quantitativo por função e a descrição das funções.” comecei.

-“Como podem verificar não consta do meu organograma a Supervisão de Contas a Pagar!” e ia continuar quando o Gerente de Controle, totalmente aturdido, exclamou:

-“Não? Como assim?”- disseram, ele e o Superintendente de Controle, quase fazendo um dueto. Toda a estratégia deles para a reunião estava indo pelo ralo. Nenhum deles se importava com o resto, o pote de ouro era o Contas a Pagar e decidida a transferência para a Administração Central em Salvador, o restante estava em aberto.

-“Dada as condições sob as quais a empresa está passando o melhor será centralizar o Contas a Pagar na Administração Central e sendo assim não consta na minha proposta de organograma.”- encerrei

-“E eu concordo com o que o Araken me argumentou, emendou meu Diretor Industrial!”-jogando a última pá de terra enterrando  tudo que estava armado para acabar com a minha área na Mineração e Concentração.

Daí para frente foi só meu monólogo explicando como havia sido dimensionada cada área, com algumas interrupções do meu Diretor que perguntava:

-“A menos que vocês tenham algum estudo que discorde do que o Araken está falando”- quase uma maldade, pois todo estudo deles estava voltado para o Contas a Pagar e como isso já tinha saído de pauta todas as pastas estavam fechadas.

O resultado:

Ao final da reunião eu que havia ido com uma proposta de um efetivo de 54 funcionários fiquei com 55 ou seja um a mais do que eu havia preparado.

O Diretor Industrial nos levou para a sala dele e falou com o meu Superintendente :

-“O Araken vai ficar mais uns dias aqui e vai ajudar na elaboração de um material semelhante para a Metalurgia”- determinou ele, encerrando nossa participação.

A estória:

Dizem que após a reunião os Superintendentes de Controle, o de Finanças e o Diretor Financeiro se reuniram na sala desse último:

-“VENCEMOS!”- teria exclamado o Diretor Financeiro

-“Vencemos o que?”- teria respondido o Superintendente de Controle com aquiescência do Superintendente financeiro e jogando o organograma que eles haviam preparado e o aprovado na mesa do Diretor -“Olha a diferença! Era para ser só o Araken e uma secretária! Agora olha a estrutura que nós mesmos concordamos, 55 pessoas!”-vociferou-“Vencemos o que?”- encerrou acabando com a alegria de seu Diretor.

1ªpágina do memorando do Superintendente de Controle para o Diretor Financeiro - após a reunião

1ªpágina do memorando do Superintendente de Controle para o Diretor Financeiro – após a reunião

Página final do memorando resultado da reunião de dimensionamento da minha área

Página final do memorando resultado da reunião de dimensionamento da minha área

O que sobrou para mim:

Como determinou o Diretor Industrial passei mais três dias na Metalurgia em Camaçari, ajudando meu equivalente Gerente de Controle e Finanças a elaborar a estrutura dele e retornei para Jaguarari/BA.

Dessa época em diante até a minha demissão eu passei a ter a visita de um auditor, da sede, toda a semana fazendo seu trabalho na minha área.

Contam até uma estória de que em um aniversário de um funcionário meu, o auditor de plantão naquela semana teria tomado todas e dito para esse meu funcionário:

-“Eu tenho ordens de achar qualquer coisa contra seu chefe, você não quer me ajudar?”- Até onde eu sei o funcionário recusou.

Ainda há mais a contar mas que deixarei para a próxima postagem.

A estória da árvore vingativa

Em agosto de 1978 eu fui demitido da Empresa Urucum Mineração S.A. e realocado na empresa Caraíba Metais onde a maior parte da Diretoria era originaria da Cia. Vale do Rio Doce, uma das acionistas da Urucum.

Cheguei na Caraíba em setembro de 1978 como Técnico em Orçamento e Custos e seis meses depois em março de 1979 assumi a Gerência de de Divisão de Controle e Finanças da Superintendência de Mineração e Concentração. Posso dizer que uma das melhores épocas dentro da minha vida profissional.

No início moramos na cidade mais próxima que era Juazeiro e fazíamos o trajeto em fuscas da empresa via estrada de terra, mais ou menos uns 80 km dos 100km entre Juazeiro e Jaguarari.

Legação entre Jaguarari e Juazeiro

Legação entre Jaguarari e Juazeiro

Link do mapa : http://goo.gl/maps/ZYU0W

Como vão notar no mapa aparece Petrolina que é cidade vizinha só que no estado de Pernambuco a qual tem uma ascendência econômica sobre Juazeiro.

Em no segundo semestre de 1980, finalmente ficou pronta nossa casa na vila dos operários e eu como Gerente recebi uma casa enorme para apenas um casal.

A casa tinha sido construída com um projeto de que não fizesse calor em seu interior já que estávamos no sertão nordestino, e era verdade, ao atravessar a porta da frente a temperatura caía vários graus ao ponto de sequer precisar de ventilador, muito menos ar condicionado.

Quando saímos do Rio para Juazeiro e depois para Jaguarari tínhamos os móveis de um apartamento de sala e quarto e em chegando lá decidimos não nos expandirmos pela casa. Assim fechamos a suite do casal e ficamos em um dos outros dois quartos.

Fundos da casa em Jaguarari

Fundos da casa em Jaguarari

As duas primeiras portas eram da suíte e a terceira do quarto que resolvemos usar por ser mais “aconchegante”. Todos os quartos davam para o interior da casa, bem como o que seria a área de lazer, a qual resolvemos transformar em horta.

É preciso se dizer em alto e bom som que naquela terra HAVENDO ÁGUA, ” em se plantando tudo dá” como disse Caminha, na descoberta do Brasil.

Frente da Casa de Jaguararí

Frente da Casa de Jaguararí

No dia em que nos mudamos notei que de todas as casas a nossa era a única que tinha uma árvore na entrada e eu vi que estava muito mal tratada, com vários pregos fincados uma tábua pregada e resolvi retirar tantos os pregos quanto a tábua e passar a cuidar dela colocando adubo e molhando frequentemente, o que fez com que ela readquirisse o vigor anterior. Era a casa da árvore, endereço fácil de achar na rua dos Superintendentes e dos Gerentes. As ruas tinham nomes mas confesso que não me lembro de nenhum.

O caso é que em Julho de 1981 todos os Gerentes da Superintendência Administrativa, inclusive eu, fomos demitidos. Fosse a razão que foi enquanto todos os demais voltaram para sua cidade de origem eu e minha esposa ficamos para acertar as minhas contas e enquanto isso não acontecesse iríamos fazer um passeio pelo nordeste descendo pela Paraíba até João Pessoa, Natal, Fortaleza e finalmente retornando a Jaguarari para receber meu FGTS.

Porém, comigo, aconteceu um fato inusitado. Enquanto os outros eram substituídos o meu substituto, que veio de Salvador, não tinha muito conhecimento de como funcionava a área que eu chefiava. Fui então chamado pelo Superintendente de Administração, de quem havia me tornado amigo, que me fez um pedido no mínimo excêntrico : “Se eu podia adiar minha saída por mais uma semana para passar o serviço ao meu substituto” e eu já estava com minha carteira dado baixa! Minha data de demissão está alterada com “liquidpaper”, pois não só aceitei como passei a semana toda do lado do meu substituto explicando cada parte do trabalho. Terminada a semana partimos para a viagem porque ninguém é de ferro.

E é a partir do momento que sai minha mudança e entra a do meu substituto que começa a estória. Contam que ele não gostava daquela árvore em frente da garagem e que teria pedido para retirá-la de lá.

O fato é que meses depois esse rapaz teve um enfarto fulminante e veio a falecer no trabalho. Contam os que ficaram que a peãozada (apelido que se dá aos operários) passou a acreditar que tinha sido a árvore, única da rua, que tinha se vingado pela nossa saída da casa.

Também contam que nunca mais a casa recebeu um morador.

Essa é a estória da “arvore vingativa”. Se foi assim que os fatos se sucederam após nossa partida, não sei, mas a morte do meu substituto lá em Jaguararí é fato.